domingo, 27 de fevereiro de 2011

Lester Bangs: honesto e impiedoso


Por Gabriel Albuquerque

Numa época em que internet era coisa de filme de ficção científica, a crítica musical era tão importante quanto a música. Nesse meio um cara se destacou por fazer mais do que simples resenhas. Esse cara foi Lester Bangs, até hoje a maior referência no meio, e considerado como o melhor jornalista musical da décade de 1970, e por alguns, o melhor de todos os tempos.
Ele iniciou sua carreira jornalística na Rolling Stone. Foi chamado para trabalhar na revista após enviar uma crítica negativa do disco Kick Out The Jams, do MC5. Foi demitido por Jann Wenner após escrever outra resenha negativa, dessa vez direcionada ao álbum The New Age, do Canned Heat. Depois disso, Lester Bangs fundou a revista Creem, onde, além de ser redator, era também editor-chefe.
Bangs era polêmico: desprezava o Jethro Tull, que tinha acabado de lançar o aclamado Thick As A Brick. Massacrava o Yes, que estava em seu auge após a contratação do tecladista Rick Wakeman e da gravação de seu maior clássico, Fragile. A banda de Jim Morrison também não impressionava Bangs, que preferia o proto-punk dos Stooges, os canadenses do Guess Who e o quarteto sueco pop ABBA.

Alguns de seus artigos tornaram-se verdadeiros clássicos do rock, como o texto sobre a morte de John Lennon. Em meio a toda comoção mundial, Bangs atacou o sentimentalismo barato: ''Lennon desprezava emoções baratas. Não é por John Lennon, o homem que você está lamentando. A rigor, você está lamentando por você mesmo.'' Ainda escreveu um ''passo-a-passo'' para os que queriam ser críticos músicais, num texto de 1974, intitulado ''How To Be A Rock Critic'', onde ele ironiza os jornalistas que aproveitam discos e shows de graça, que as vezes são horríveis, e todos se sentem obrigados a não falar mal para não perder as outras festinhas; e a competição dos colegas de profissão ao procurar falar de uma banda mais desconhecida do que o outro.
Entretanto, seu principal trabalho é a entrevista que fez completamente chapado de anfetamina com Lou Reed, chamada ''Let Us Now Praise Famous Death Dwarvesi''. Bangs tenta destruir os mitos e estrelas do rock mostrando o comportamento arrogante e agressivo destes. Em uma longa e pessoal introdução, Lester diz que admira as composições de Lou, mas que a personalide hostil e alguns aspectos anti-sociais do músico em álbuns como Berlin e Metal Machine Music o intrigam. Depois de trocar vários insultos pessoais, Bangs desafia Reed a tirar os óculos de sol: ''A pele amarelada de Lou, quase tão amarelo-esbranquiçado como o seu cabelo, o seu rosto e toda a sua moldura haviam transcedentalmente emagrecido, como se ele tivesse mudado totalmente. Seus olhos eram tão enferrujados, como duas moedas de cobre jazindo sob as areias do deserto e debaixo do sol durante o dia todo, com telegramas sussurrantes em cima de sua cabeça, mas ele parecia forte para mim.'' Nesse mesmo texto que se tornaria um marco do jornalismo, Bangs ainda diz: ''Herói é uma coisa idiota pra caramba para você ter em primeiro lugar e um bloqueio geral para qualquer coisa que você tenha que realizar por conta própria.''
Esse era o estilo de Lester Bangs, sempre em primeira pessoa. Ele ainda diz como gostava de fazer suas entrevistas: ''Basicamente, eu começo uma entrevista com as perguntas mais provocativas e insultantes que eu consiga pensar, porque, até agora, me parece que todas as entrevistas com rock-star´s são simplesmente uma puxação de saco para alguém que não é especial. É só um cara, só outra pessoa qualquer.''

Lester era fã de Lou Reed; chegou a dizer em sua resenha para a Creem, que Metal Machine Music era o melhor disco de todos os tempos. Ele tinha suas predileções, mas não tinha apenas elogios aos seus músicos preferidos. Depois de passar várias noites conversando e ter assistido a dezenas de shows de uma turnê de Captain Beefheart, que, vez ou outra, preferia gritar, Bangs escreveu: ''Beefheart é um louco, um sujeito potencialmente perigoso que provavelmente não terá um futuro artístico. Eu não quero ver esse cara de novo...''
Começaram a circular rumores na mídia de que Lester seria o famigerado criador do termo heavy metal, a partir de um artigo sobre o Black Sabbath entitulado ''Bring You Mother To The Slaughter'', que foi dividido em duas partes e publicados em junho e julho de 1972 na revista Creem. Entretanto, não há nenhuma referência a ''Heavy Metal'' no artigo, que ainda apresenta o termo ''downer rock''. Lester pode ser creditado por ter popularizado o termo, assim como o punk.

A música de Bangs

O americano não ficou só escrevendo. Ele formou uma banda com Mickey Leigh, irmão mais novo de Joey Ramone, chamada Birdland. Em uma viagem ao Texas, conheceu a banda punk The Delinquents, com quem gravou o álbum Jook Savages On The Brazos.
O disco é um pequeno diamante bruto, sem muitos artifícios de produção ou mixagem. Um som descompromissado que mistura punk dos Stooges, psicodelia e até folk, como na faixa Legless Bird.

Os maiores destaques são I´m Love With My Walls, com um riff cavernoso e viradas fortes de bateria; Kill Him Again, com um solo de guitarra devastador; e Nuclear War, onde o grupo extravasa toda a sua energia em um ritmo acelerado e contagiante.
Os livros e Quase Famosos
A vida de Lester Bangs inspirou Jim DeRogatis a escrever a biografia Let It Blurt: The Life And Time of Lester Bangs, The America´s Greatest Rock Critic. Outro interessente livro sobre o Bangs é Reações Psicóticas, uma coletânea de textos escritos por Lester para a Rolling Stone, Creem e Vilage Voice. Infelizmente, apenas o segundo teve uma edição publicada no Brasil, e a biografia ainda não tem planos para ser traduzida para o português.
O aclamado filme Quase Famosos também foi inspirado no crítico americano. O longa-metragem escrito e dirigido por Cameron Crowe mostra a trajetória do aspirante a jornalista musical Willian Miller. Este pede alguns conselhos ao seu ídolo, que surge com frases como: "No nosso meio precisa-se construir uma reputação de honesto e impiedoso.'' A cena de Bangs em um programa de rádio sintetiza bem as suas idéias: ''Sabia que The Letter, do The Box Tops, tinha 1 minuto e 58 segundos? Não significa nada. Mas em menos de dois minutos eles conseguem o que o Jethro Tull leva horas para não fazer! Isto é delusão, pseudo-gritaria!''. ''Jim Morrison?! Ele é um befão bêbado posando de poeta. [...] Eu fico com o Guess Who, eles tem coragem de ser bufões bêbados.


Lester Bangs em seu apartamento em 1980.
Lester foi encontrado morto em 1982, quando tentava livrar-se do vício das drogas. Teve uma overdose de medicação receitada por um médico: Darvon, Diazepam e NyQuil. Sua morte foi profetizada no já citado ''How To Be A Rock Critic'', onde ele diz: ''Você vai ser famoso e terá uma morte precoce aos 33 anos''; mesma idade de Bangs quando faleceu. O último disco que ouviu foi Dare!, da banda de Synthpop inglesa The Human League. O vinil ainda girava em seu toca-discos.

Outros bons críticos surgiram; alguns são mais líricos; outros mais acadêmicos; alguns até entendem mais de música, mas nenhum foi tão verdadeiro quanto Lester Bangs, que sempre dizia o que pensava sem nenhum medo. Honesto e impiedoso. Doa a quem doer.

4 comentários:

Fiquei curioso para saber qual a justificativa dele não gostar de Jethro Tull, Yes e The Doors. Puro gosto?

Concordo com o modo de como ele preferia abordar os entrevistados. Até hoje a maioria das entrevistas com rock stars continuam sendo puxação de saco.

Ele achava que o som que essas bandas faziam era desncessário. Quanto ao Doors, ele achava que eram pseudo-intelectuais.

O método de entrevistas é realmente muito interessante. Concordo com você, hoje as entrevistas com músicos são pura babação.

Só para constar, eu gosto do Doors, Yes e Jethro Tull.

Realmente é uma matéria excelente, de um cara que mesmo falando de rock, conseguia ser poético, e de uma complexidade impressionante. Nunca tinha ouvido falar nele, mas pelo o que vi aqui, deve ter sido realmente um ótimo crítico.

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